Alexandre Cavalcanti
Vila-Escola Projeto de Gente
Cinco dias mergulhado em um mar de possibilidades, mar de afetos.
Afetos abraçantes, abrasantes, envolventes, afetos doloridos, afetos mentais,
emocionais, tristes afetos, alegres, sombrios, claros, misturados, complexos,
instigantes... Afetos!
Nem tinha pousado minha mochila em algum recanto quando alguém, belo
sorriso, câmera na mão, me perguntou se poderia me fazer 3 pequenas perguntas.
Sou sujeito lento, introspectivo, meio campista das antigas – mata a
bola no peito, baixa no gramado, levanta a cabeça e dá o passe – e ali estava o
belo ritmo dos tempos de agora: ágil, surpreendente – bola de primeira!
Primeira pergunta, primeiro afeto: “o que nos faz latino-americanos?”.
O efeito? Me assusto, fico zonzo, me sinto menino, menininho, a pergunta me
toca em um lugar que conheço desde criança e que, adulto, visito muitas vezes –
sensível, muito sensível, lugar: “será que minha resposta será aceita?”. Procuro
saídas, fugir (mas, fugir de mim mesmo?!), me assusto novamente, minha mente e
meu coração disparam, “o que nos faz humanos?”, esta pode ser a porta de saída
do labirinto (ufa!), mas sei que a resposta está incompleta e trazer à tona o
completo me assusta (novamente!). Busco parresía dentro de mim – parresía,
palavra grega, aprendi há pouco, que significa coragem, mas não qualquer
coragem, é a coragem necessária para dizer a verdade que se teme, a coragem
para trazer à tona a sua verdade, a verdade de cada um. A verdade que, dita, pode
ameaçar, assustar, provocar insegurança, medo: medo de não ser aceito no
coletivo, de não pertencer ao coletivo, de não existir no coletivo, de ter a
existência negada, medo de ser destruído.
Trazer à tona, disse tantas vezes, e me lembro que educar vem do latim educare, educere, que significa literalmente
“conduzir para fora”, “trazer à tona”.
Pois então, ali estava eu: adulto, pai, médico,
educador, médico-educador e... menino. Criança-adulto em pleno processo de
educação, guiado por aquele jovem de belo sorriso, olhos vivos e câmera na mão,
gentil e me ajudando a olhar para mim mesmo.
Vocês, claro e infelizmente, perceberam porque me
senti criança, não é? Porque, sensível, estava com medo! Aqui ou ali, aqui e
ali, em todas as Américas, na Europa, Ásia, África e Oceania, em algum momento,
em muitos momentos, em todos os momentos, ricas ou pobres, crianças têm medo:
medo de não serem aceitas no coletivo, de não pertencerem ao coletivo, de terem
sua existência negada, de serem reprovadas.
E, sensíveis, assustadas, aprendem o que é esperado
delas: respostas prontas e certeiras. Aprendem que não podem ser quem são,
aprendem negar a si mesmas, negar, negar e negar. Negam tanto que afinal
esquecem quem são, espontaneidade perdida, autonomia perdida, amor próprio
perdido.
Aprendem assim pois seus mestres também aprenderam
assim, e os mestres de seus mestres, gerações e gerações de mestres...
“A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem
errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de
mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.”
(Fernando Pessoa)
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.”
(Fernando Pessoa)
Os
dias em Brasília foram se sucedendo, conversas acontecendo, trocas se
organizando. Fui, dia a dia, buscando mais e mais conexão comigo mesmo,
oferecendo o que tinha a oferecer, minha autonomia, meu amor próprio, buscando
conexões com os outros, com cada um, com o que tinham a oferecer, suas
autonomias, seus amores próprios. Dia a dia afetado, nutrido, por fluxos
amorosos que, por sua vez, alimentavam e eram em si mesmo um grande campo de
acolhimento que comprovava a simples e complexa dinâmica: quanto mais amor,
menos medo.
Saio
de Brasília mais desimpedido, energia vital mais livre e agradeço muito por
isso.
“(...) E no ar livre, corpo livre
Aprender ou mais tentar
(...)
Iremos tentar
Vamos aprender, vamos lá”
(Lô Borges)
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