Marina Cristal
Junho, 2017
“Acredita-se que a
duração do dia, direção do vento e mudanças hormonais desempenham um papel
importante no instinto migratório das aves de rapina, funcionando como um
“gatilho” para que elas iniciem as migrações.”
Menq, W. (2015)*
Indo pra Brasília pra participar de dois encontros potentes
sobre relações entre pessoas e processos de aprendizagem, ENA e CONANE, estava
muito entusiasmada e ao mesmo tempo me via com um desconforto. Ainda que o
convite para participar desses encontros tenha vindo para mim, sabia que ele
vinha também – e muito! – para a Vila-Escola Projeto de Gente em mim. E neste
ano eu não frequento mais seu espaço físico, não participo mais das trocas
cotidianas, não sou responsável por Projetos de Saber nem sou tutora de um
grupo de pessoas que estão por ali seguindo seus caminhos... Como poderia então
estar nesses encontros como uma das pessoas representantes da VEPG? Talvez não
“como”, mas “por que”? O que é que está ao mesmo tempo em mim e na VEPG que é
bem-vindo nesses lugares?
Tentando resolver esse siricotico dentro de mim, fui
olhando pras coisas, pras relações e praquilo que faz sentido pra mim. O
convite para estar na Roda de Conversa “Educação de Crianças e Jovens no século
XXI: Amorosidade e o Mundo Globalizado” da Conane 2017 talvez fosse a porta mais
próxima a ser aberta e me mostrar um pouco daquilo que me estava sendo pedido –
e que eu tinha condições de entregar. Fazer este movimento de reconhecimento me
ajudava a apaziguar o desconforto.
Quando me olhava para o tema, ainda bem antes de sair de
casa, sentia o coração entusiasmado; eu queria mesmo poder conversar sobre isso
tudo que era sugerido: educação, jovens, crianças, amor, mundo, maneiras que
criamos para estar no mundo! Muitas reflexões, dúvidas, intuições, memórias,
dicas, emoções se revelavam e a partir desse amontoado de gostosuras ia
conversando comigo – com o Alê também! – e sentia bem-estar. Me percebia muito
viva e conectada com o campo que ia sendo iluminado. Lembrando desse processo me
convenci de que aquilo que me levava a estar nessa roda poderia ser algo como um
elo primal, latente e vivo, entre minha caminhada e a VEPG, uma de nossas
intersecções, algo como uma base compartilhada.
Ufa! Estava apaziguado o siricotico!
Me tranquilizava ao acolher em mim essa percepção de que há
coisas que nos conectam para além da proximidade física, embora ela faça muito
falta de vez em quando. Também ao notar que há raízes primordiais que sustentam
um certo tipo de olhar e viver, que suprem necessidades profundas de um modo de
existir de alguém – ou de algumas pessoas –, e que por sua força e
profundidade, sua preservação é extremamente necessária pra quem se sustenta
ali. Fazia sentido para mim, pegando carona com Maturana, admitir que para que
este radical seja conservado, tudo o que não é ele, pode vir a mudar
completamente, então por isso se faz possível que em algum momento a distância
física seja inevitável.
Talvez partilhar dessa base seja o que me possibilita me
identificar como parte dessa comunidade de aprendizes da VEPG. Não sou, quem
sabe, uma árvore típica do ecossistema da Vila-Escola Projeto de Gente, nem uma
nascente de água ou mamífero esplendoroso, mas uma ave migratória, que
participa das trocas também pela sua própria ausência, simples e natural.
O movimento de saída física se deu, não sei dizer se influenciado
pela duração do dia, direção dos ventos ou mudanças hormonais, mas sei que
sustentado pela minha vontade pessoal de encarnar a Honestidade e o Amor. E com
as dores inevitáveis da natureza sigo engrossando o coro de tantas outras aves
migratórias que pousaram e pousam pela VEPG, cantando que existe no mundo a
distância amorosa, desvinculada da separação por inimizades, e que há muita
potência no vazio.
Ninguém dá o que não tem. Eu sinto que não posso trazer
verdade ao dizer para alguém que é possível viver da maneira que pede seu
coração se eu não escutar o que diz o meu e seguir seus pedidos. Afinada com
isso, sigo buscando manifestar em mim, no mundo, o meu Amor Próprio, aquele que
só pode vir ao mundo por mim, pelo jeitinho que moléculas e memórias se
organizaram neste ser que vive encarnado e pulsando, (re)descobrindo e
(co)criando.
* Aves de rapina migratórias - Aves de
Rapina Brasil . Disponível em: <
http://www.avesderapinabrasil.com/arquivo/artigos/Aves_de_rapina_migratorias.pdf
> Acesso em:27 de Junho de 2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário