Diário
Parece que há males que vem para bem. Foi isso que senti nessa
segunda-feira passada na Vila-Escola. Terminada o momento de tutoria, a moçada
foi pra rua jogar bola. Os times (duplas) foram separados e os gols (chinelos)
foram postos com três passos de largura. Não havia juízes, ou se preferirem,
todos eram juízes. A bola rolou e conforme os jogos se sucediam uma tensão foi
crescendo no ar. Indecisões e desconfianças: “A bola saiu!” “Não saiu!”, “Gol!”
“Foi na trave!”, “Falta!”. A competitividade e tensão do jogo extrapolou quando
um menino, sentindo-se vítima de uma entrada mais dura, virou um chute no meio
das pernas de uma menina. A intenção não era a bola, era machucar. Não
acreditei. Seria pra vermelho direto. Mas não havia juízes. Antes mesmo deles
se engalfinharem nos tapas, eu interferi: - “Pode parar! Bora pra roda!”. Olhei
para o menino e vi que saía lágrimas de seus olhos. Não correram muito por seu
rosto pois ele logo tratou de as secar, garantindo assim que ninguém o
zombasse. Ele brigara com uma menina e ainda chorava. Quanta pressão para sua
pouca idade. Entendi suas lágrimas como uma válvula corporal cuja mente e corpo,
não aguentando a crescente tensão do jogo, se viu agindo de forma que não
gostaria. Ele se pegou num ato falho. Essa criança tem doze anos. A outra, a
menina, tem onze. Ambas subiram as escadas da Vila-Escola e sentaram na roda.
Fiquei impressionado. Nenhuma delas pareciam duvidar do que era preciso ser
feito: conversar. Muitas vezes me deparei com a relutância das crianças (dos
adultos também, assim como a minha) em querer resolver conflitos. Essas duas
crianças fizeram diferente. Com todo mundo na roda, os dois relataram sua
versão da história. Eu também falei o que tinha visto. A conversa deve ter
demorado uns trinta minutos ou mais. Durante esse intervalo percebi que as
crianças haviam se acalmado, apesar de ainda se sentirem um pouco injustiçadas.
Acho que de alguma forma perceberam que, além das regras (do futebol), há a
subjetividade de cada pessoa envolvida no jogo. O que um sente ou interpreta em
relação a um lance, nem sempre será igual ao que o outro sente e interpreta.
Quando escalamos um árbitro para apitar a partida, delegamos as decisões a ele,
mas quando nós mesmos somos os juízes, temos que lidar com as diferenças e
tentar chegar a um acordo. Quanta lição. Quando a roda terminou não sobrara
tensão alguma e o futebol deu prosseguimento, com os mesmos jogadores, com os
mesmos juízes. Se é que a mesmice tem vez...
Patto
Patto
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