Diário de
Cumuruxatiba
Ontem, 08/03/16, foi dia de jogos colaborativos na V-E. A
roda decidiu que ter jogos colaborativos é importante porque a gente já está
bem (mal) acostumado com os jogos de competição. Aliás, a sociedade parece
funcionar, quase sempre e bem exatamente, como um jogo competitivo.
Vale lembrar que não foi uma decisão unânime, nem sequer
fácil. Uma criança chegou a dizer, quando perguntada sobre o que achava dos
jogos colaborativos: “não é legal, não, é chato, a palavra colaborativa já é chata!”
De todo jeito, houve maioria.
No 1º dia em que houve jogos com esta característica,
resistência dos que votaram contra. Porém, já no 2º jogo, a adesão aumentou e a
hora de saída da V-E teve que ser alterada porque todo mundo pediu mais um,
mais um, mais um...
Na 2ª semana pudemos fazer algumas observações:
- A transformação, sem
consciência, de colaboração em competição. Como o jogo propunha que grupos
deviam cruzar, sem cair, o “mar infestado de tubarões” e chagar ao outro
lado – cada um estava em pé sobre um banco de plástico e 4 formavam uma
tripulação, isto é, deviam navegar juntos. Logo formou-se a ideia de que a
vitória seria da tripulação que chegasse primeiro ao outro lado. O
processo de co-labor dentro de cada equipe correu o risco de ficar em segundo
plano em função do “chegar em primeiro lugar”. Além disso, entre os
tripulantes, abriu-se a possibilidade de conflito quando um fazia um
movimento que parecia inadequado ao outro. Foi possível perceber as
múltiplas maneiras de reação de cada criança, sua competitividade ou
timidez, a maior ou menor facilidade para ouvir a proposta do outro, por
exemplo.
- Do mesmo modo, no jogo do
telefone sem fio, aconteceram situações que revelam tanto questões já
incrustadas na sociedade quanto questões individuais – e, sempre bom
lembrar, o corpo social é formado pela ação, ou reação, dos corpos
individuais. No jogo: algumas crianças ficavam muito atentas à
possibilidade de que alguma outra mudasse a palavra ou frase a ser passada
adiante. Ali estava uma pessoinha acostumada a uma sociedade que rouba e
que, portanto, gera desconfiança. Ela não curtia a brincadeira, pois
policiava, e apontava, os outros; era uma criança desconfiada devolvendo o
alimento que recebe do social e, por sua vez, alimentando esta sociedade que
não confia em seus pares.
- Outra situação, na mesma
linha da observação anterior: a criança que, conscientemente, mudava a
palavra ou frase a ser repetida, não para roubar ou atrapalhar a
brincadeira – foi possível perceber –, mas como forma de sentir um certo
poder sobre o grupo ao interferir no andamento da brincadeira.
A competição naturalizada, a desconfiança naturalizada, a naturalizada
defesa estruturada por uma criança. Como deve se comportar um educador nestas
situações? Se ele não traz à tona estas questões estará colaborando para sua
manutenção e fortalecimento. Se, por outro lado, ele aponta e comenta pode
propiciar um campo de humilhação, um campo para o aprofundamento da reação.
Também neste caso não ajudará a desconstrução dessas questões; aliás, pode
também fortalecê-las.
Aí está um momento delicado de nosso trabalho como
educadores: encontrar o bom ponto entre o sermão chato (blá-blá-blá a ser evitado,
pois será estéril) e a omissão que não ajuda o outro a perceber que algo pode
ser reorganizado; encontrar o bom ponto que pode apoiar uma descoberta, uma
desconstrução, e uma nova construção – mais harmônica.
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